18 junho 2008

AOS CADÁVERES, FLORES



Perdoe-me o Vandré, mas para não dizer que não falei de flores e que não sou democrata, coloquem as flores que quiserem nesta crônica.
TV digital, interatividade, lembram-se?
Cravos brancos, rosas vermelhas, crisântemos, desde que cubram os corpos nos caixões e tapem as feridas que ficam abertas nos olhares mortificados e impotentes dos parentes ao redor e de todos na periferia da violência.
Não dá para fazer poesia das tragédias.
Compor sonetos de amor, comentar o final de novelas.
Não dá para se conformar e dizer deus quem quis, foi o destino.
Ir para casa, mudar de canal e descobrir que você pode enriquecer se comparecer às reuniões semanais da Igreja, benzer-se, rezar o terço ecumênico, falar “Ah: é” e ir dormir.
Melhor incensar a casa que o cheiro que vem do ar não é de vivas flores viçosas.
Vem um cheiro de brotos que não germinaram e são dizimados na flor da idade, todos os dias.
Ontem à noite, psicografei um diálogo. A ligação estava meio ruim, muita linha cruzada, mas que deu para pegar a mensagem.
O seu filho acabou de levar um tiro da Policia Militar numa batida policial. Ele estava armado, reagiu e infelizmente...
Deve haver algum engano. Ligaram-me há cinco minutos e disseram que foi uma discussão de trânsito e ele levou um tiro de um promotor?
Não, o senhor não entendeu, ele foi arrastado pelas ruas, preso à porta do carro.
Ah! Agora entendi.
Foi entregue pelas milícias para os traficantes do morro rival?
Foi parecido... Quase isso...
A senhora fique tranqüila que vamos mandar uma carta de solidariedade e o presidente fará um pronunciamento, em rede nacional na TV, hoje à noite, antes da novela e garantirá que tomará todas as providências para averiguar o envolvimento da oposição no caso.
Será que dá para ele falar do filho do meu vizinho que sumiu num seqüestro no mês passado? Eles já pagaram o resgate de R$ 5.000,00, mas só devolveram a orelha.
Acho que não, porque o presidente tem que falar do novo poço de petróleo que descobriram na bacia das almas e que apóia o movimento dos trabalhadores da pesca dos peixes lebistes, que aumentaram a produção, com nunca se viu neste país...
Que pena!
Aproveitando, minha senhora, ele tinha envolvimento com o tráfico?
Não senhor. Era menino bom.
Então, ele estava em lugar errado, na hora errada... Fatalidade... Essas coisas acontecem...
É mesmo... Acontece em São Paulo, no Rio de Janeiro, Recife, no Braziu inteiro...
A senhora veja só a guerra no Senegal, em Angola, no Haiti... É assim mesmo...
Mas, nós estamos em guerra?
Sim, temos diversas batalhas... As Eliminatórias da Copa do Mundo, o Massa está em luta contra o Hamilton e o Haikonnen. Fogo cruzado...
Peraí, foi bala perdida, então?
Ainda não terminaram a necropsia, não dá para saber. Precisamos juntar os pedaços do corpo e identificar. O corpo ficou muito queimado.
“Colocaram ele” no forno que nem aquele jornalista, o Tim Maia?
Tim Lopes... O Tim Maia teria chamado o síndico e posto ordem no galinheiro.
Não dá para chamar nossos síndicos.
Não, eles estão muito ocupados em fazer licitações dos “ikebanas” para os corredores dos Palácios.
Verdade, eles não tem tempo.
Sabe, moço! Eu tenho uma foto do meu filho no colo de um candidato nas eleições...
Ele veio até aqui... Era bonzinho... Prometeu Posto de Saúde, escola, esgoto, luz...
Falou que meu filho iria servir de exemplo e dentro de alguns anos teria um bom emprego...
Outro dia mesmo vi a foto do político no jornal. Está bem de vida...
Será que ele manda umas flores para o enterro?
Vamos ver o que podemos fazer.

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