08 abril 2015

VILA MARIANA - TEMPOS TRANQUILOS DA PROFESSOR TRANQUILLI

04126-010.
No dia 10 de Outubro de 1928, quando Antonio Augusto Davin, meu bisavô, adquiriu o lote na Travessa Terceira, Freguesia de Villa Marianna, localizado a cinqüenta e cinco metros da Rua Loefreguin, não existia o Código de Endereçamento Postal. A Travessa Terceira só tinha mato. Depois ainda foi denominada Rua da Floresta. Hoje é a totalmente urbanizada Rua Professor Tranquilli, em homenagem ao professor Tranquillo Tranquilli, falecido em 1947, titular de diversas matérias no Colégio São Bento.
Na sala da casa que ocupa o último dos lotes herdados por seus familiares, ainda balança uma cadeira adquirida no dia do meu nascimento, em 1955, para que a dona Maria de Lourdes embalasse seu neto nos últimos dias de vida.
Nessa época, a rua de terra batida já estava com quase toda sua extensão habitada e quase igual ao que é hoje, não fossem dois prédios que roubam a insolação das casas.
Todos vizinhos se conheciam.
No lado par ao lado do muro do Hospital Santa Cruz era casa do Amadeu da venda. Atravessando a Jorge Tibiriçá estava a casa do seu Geraldo, ao lado do último terreno sem construção onde fazíamos guerra de canudos entre os pés de mamona. Depois vinha a venda do Seu Valdomiro e dona Sophia, a lojinha do Seu Domingos e dona Aurora, as três casas de meus primos Elisa, Aurora e Julinho, a casa da Dona Dolores e seu Nicola – estas quatro demolidas em 2005 para construção de um prédio -, vizinha do seu Manoel pintor, meu avô e pai da Dona Olga, a casa construída no terreno do tio Alberto, a casa do seu Hilário, depois a do Seu Luiz, vizinho do Luiz tintureiro, que toda sexta-feira saía de madrugada para pescar na Billings e às vezes levava os meninos da rua. Ao lado a casa do seu Francisco, fotógrafo. Os últimos cinco sobradinhos, que hoje são quatro, foram construídos no começo da década de 60. Do lado ímpar a oficina do Pedrão, a casa que eu achava a mais bonita da rua e está praticamente igual até hoje, na esquina da Rua Manoel de Moraes. A seguir, a dona Maria do 85, a casa do Tiguês, outra oficina mecânica - do Franco -, o açougue do Romeu, a casa da dona Julieta, costureira, a casa da dona Aurora, mãe da Dra. Irene, dentista; a casa da Dona Arlete, mãe do Ariel que correu a São Silvestre num ano da década de 60. Atravessando a Trabiju havia a casa da dona Emília, também costureira, esposa do Alcebíades, ao lado da dona Aparecida, outra costureira, mulher do seu Gino, motorista de praça, como meu pai Pedro, depois a casa e fábrica de cortiça do Seu Antonio e dona Rosinha, a casa da Dona Clélia e seu Davi – estas três também demolidas e finalmente a casa da mãe do Nenê que jogava no Corinthians e a vendinha do seu João, pai do Maurinho, recém demolida..
A gente sabia até quem eram os cães. O Biju do 239, o Banzé do 238, a Flay do 258.
Era necessário prendê-los às pressas para evitar que fossem pegos pela carrocinha que passava “de surpresa” às sextas feiras.
Na década de 60 brincamos “perigosamente” por uns dias, nos buracos onde era instalada a tubulação do esgoto. Era o fim da limpeza das fossas que se escondiam nas calçadas.
Uma grande felicidade. Asfaltaram a rua e pudemos descê-la de carrinho de rolimã. Se o seu Rômulo estivesse em casa, só da casa dele para baixo, por causa do barulho. Mas se ele não estivesse, era desde o topo da Jorge Tibiriçá até a Loefgreen na frente da vendinha do seu João. Algumas vezes nos esborrachávamos no terreno da dona Irma, esposa do seu Irmo, na Loefgreen. Algumas vezes assustamos o cavalo do verdureiro que passava duas vezes por semana.
Foi um grande evento a troca das carroças de lixo pelos caminhões.
Na época junina, Dona Aparecida organizava uma fogueira, ao lado do muro, onde hoje há um pé de romã.
A rua tinha seus defeitos. A feira de domingo atrapalhava as brincadeiras. A mesma declividade, tão útil para as velozes corridas de carrinhos, nos obrigava a jogar bolinha de gude e algumas peladas na Trabiju ou Loefgreen, que eram retas.
Falando em futebol até um poste tinha apelido e completava o time se faltava um. O Carlos Alberto, cortado da Copa de 1966 e que fizemos uma pequena homenagem a ele quando foi o capitão em 1970.
Campeonatos de jogos de botões não faltavam quase todas as tardes.
O começo do final desses bons tempos dourados foi em 1972, quando construíram o viaduto sobre o “buracão ou barroquinha” da Loefgreen e os carros começaram a “cortar caminho” por lá.
Nessa época, quatro moleques criados na rua - Cláudio, Luiz Carlos, Hiroshi e eu - todos vestibulandos nos despedimos da tranqüilidade da Tranquilli, com a última pelada na rua. Nunca mais vi ninguém brincando na rua. Nem meus filhos que cresceram na mesma casa, mas já se mudaram para outros caminhos em suas vidas.
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Crônica publicada no Jornal Vidaqui de 25.fev.2011