21 dezembro 2019

FALTOU A PROTEÇÃO DE SÃO JORGE


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A noite de 21 de dezembro não marcou apenas a chegada do verão no Brasil e o inverno na Inglaterra.
Flamengo e Liverpool disputaram quem era o melhor time do mundo em 2019.
Trouxe-me certo alívio, sem comemorações, a vitória do time do vilarejo dos Beatles, quarteto mágico que tinha o seu George (Harrison), sobre o time da Cidade Maravilhosa, protegido de Jorge (da Capadócia), cantado em prosa e verso nas homenagens do Jorge (Benjor) e comandado pelo Jorge (de Jesus) na final do Torneio Mundial de Clubes.
No fundo, torci pela derrota do time da Gávea.
Lógica rudimentar induzia: “Se ganhar o Campeonato Carioca, ganhar o Campeonato Brasileiro, ganhar a Libertadores nublará o fato mais cruel do Clube do ano, a vitória no Mundial Inter-Clubes, apressaria ainda mais o esquecimento do incêndio na noite de 08 de fevereiro de 2019.
Entre os dez mortos na tragédia do Ninho do Urubu, que tem o pomposo nome de Centro de Treinamento George (Helal), ex-presidente do clube, havia um Jorge (Eduardo Pereira dos Santos).
Breve será esquecido, como os outros jovens (Arthur Vinicius, Athila, Bernardo, Christian, Gedson, Pablo Henrique, Rykelmo Samuel e Vitor).
Certamente, sonharam o brilho de fotos semelhantes ás registradas no título Mundial de 1981, quando o Galinho foi reverenciado.
Provavelmente, ouviram pais e avós cantarolarem “faz mais um pra gente ver”.
Não viram nem Zico, nem Fio Maravilha no Maracanã.
Tinham algo em comum, os falecidos e os ídolos eram “crias” da Gávea.
Uns, mais que outros, mas todos diziam-se protegidos de São Jorge.
Quando o árbitro indicou o fim do jogo, antes dos argumentos paliativos e consoladores dos comentaristas, escapou-me um leve sorriso.
No fundo, no fundo, um clube que começou o ano de 2019, com a sombra da irresponsabilidade da tragédia não merecia terminá-lo sob as luzes da glória.
Torcedores lamentarão algum tempo a falta de proteção do Santo no jogo de dezembro.
As famílias dos jovens lamentam e lamentarão, pelo resto da vida, a falta de proteção em fevereiro.

02 dezembro 2019

GIINGADO DA MORENA (letra de samba)

GINGADO DA MORENA (letra de samba)

Quem acha feliz a morena gingando na passarela
Não é fácil a vida dela
Não é fácil a vida dela (refrão)

Cedinho dependurada no transporte
(Coisa que ninguém merece)
Faz prece pra ver muda a sorte
Se não for possível ganhar na loteria
Ser por um dia rainha da bateria

Quase meio-dia, preparar a mistura
Geladeira vazia, preços pela hora da morte
Grana curta, o jeito é a xepa na feira
Decidir entre a fruta ou a verdura
Qual vai durar a semana inteira

Tarde de sol, inveja quem fica na praia
Deitado na areia, ler, sem pressa, a revista
Imagina-se a principal passista
Canga a cobrir a tanga, só um tomara que caia
No calçadão seu passo ensaia

Volta à realidade ao repentino trovão
Nuvens cobrem a cidade, vem chuvas de verão
Escuridão anuncia o habitual temporal
Dispara a correr como fechassem o portão
Na apoteose e vai recolher as roupas do varal

Passada a tempestade
Busca forças na solidariedade
Resgatar as sobras do vendaval
Acalma quem está à beira da loucura
A dor da perda não tem cura
Amanhã breve nota no jornal

Sem juras de amor, paz é breve momento
Tatuagem na pele disfarça a cicatriz
Lembrança da agressão brutal
Na discussão banal
Desentendimento de casal

Um passo de improviso, abre no rosto o sorriso
Gingando na passarela
Parece estar a morena feliz
Ela tem mesmo um gingado
Diferente, especial
Que ninguém vê quando acaba o carnaval
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https://www.recantodasletras.com.br/poesias/6809262

20 novembro 2019

GRITO NEGRO



                                                           Liberdade...Liberdade.../ Abre as asas sobre nós
                                                                  Liberdade... Liberdade.../ Ouçam um dia nossa voz
(Incidentais – Ala de Compositores - Imp. Leopoldinense 1989).

Valei-me Ogum guerreiro,
Iluminai esta escuridão
No porão de Navio Negreiro
Partiram pai, mãe, irmão

Pele arde, a alma pena presas no pelourinho do porto negreiro
Sol de verão à pino, espera comprador que pague seu valor
Examina a boca, manda virar o corpo confere se está inteiro 
Queria levar, mas é magrinho preciso de um bom reprodutor

Macho dessa raça é viril e se levar dois cobro-lhe apenas mil
Moedas na mão, pregoeiro abre sorriso, anuncia os próximos lotes:
Preciosas prendas, perfeitas pra emprenhar, vejam que quadril
Predadores à espreita prontos pra provar seus dotes

Valei-me Iansã dos ventos
Levai ao céu nossas vozes
Soprai pra longe os sofrimentos
Afastai de nós os algozes

Triste a procura inútil pelo carinho de mãos amigas
Vida trancada em senzala, grossa corrente no pé
Madrugadas sofridas entoando estranhas cantigas
Lembrança dos antepassados para não perderem a fé

As noites são longas, escravos amontoados no chão
Cantoria se repete, persistente, cansativo estribilho
Serve para aplacar o banzo reforçar o ódio no coração
Esperança que resta, deixa como herança ao filho

Valei-me Oxóssi Caçador
Moleque seja seu protegido
Aquecei-o com seu calor
Nas lutas não saia ferido  

Apanhar desde pequeno pra aprender a prender o choro
Trabalhar sem preguiça, o chibata vai lanhar o couro 
Pode rasgar a pele, pele negra não serve para coser
Que vida é essa, apenas promessa o amor e prazer

Dias quentes e longos, resistem aos trancos e barrancos
Malungos abatidos de banzo, mandingas pra não perder a coragem
Na alma o ódio crescente, carne ansiando vingança aos brancos
Uma forma de luta, dengos e cafunés em inexorável mestiçagem

Valei-me grande Senhora
Olhai por seus filhos, Iemanjá,
Levai o sofrimento embora
Afastai dos males, Saravá!

Meninas pequenas impúberes sem defesa eram abusadas
Pelo dono da terra, amigos do dono, capitães do mato, o feitor
Rude rotina diária, a vida não para, ouve-se pelas madrugadas   
Gritos das dores do parto, nas mãos da mucama a mistura de cor

Ao mundo os primeiros negrinhos sararás e branquinhas pixaim
Corria nas veias sangue de Luanda e Congo junto ao português
Sem romantismo na história, era vitória dos povos de Benin,
Dos Bantus de Angola, Nagôs, de Benguela, Daomés e Malês

Valei-me a justiça de Xangô
Digam os Ofós... despertem Ossaim
Muita Saúde ao povo Nagô
Todos juntos na lavagem do Bomfim

Tempo tira a lisura do rosto, cerca o olhar de rugas
Tambores rompem horizontes espalhando aos ares
Trilhas secretas dos cafundó, onde há refúgio nas fugas
Os caminhos de Kalunga, Marolim, Urubu e Palmares

A liberdade é conquista de poucos nas Cartas de Alforria
Princesa assina um documento contendo falsa abolição
Permanecem invisíveis correntes, nas lutas de cada dia
Negros, Pardos, Mulatos... parece não ter fim a escravidão

Valei-me entre outros tantos
Ganga Zumba... Zumbi...
Meia Légua....
Dragão do Mar de Aracati...
À benção aos que deram a vida nas lutas da raça

Valei-me almas quase santas
Menininha do Gantois...
Carolina e Clementina de Jesus...
Dandara... Lia de Itamaracá...
À benção... mulheres negras e seus gritos de alerta

Valei-me, mentores e entidades
Tia Ciata, Maria Firmina, Solano Trindade...
Um salve a Castro Alves
À benção...Poetas cheios de luz
Seus versos revelam cruéis verdades...
Denunciam o laço que aperta a mordaça
Abafando até hoje os gritos dos porões

Joga capoeira, dança jongo, com abadá da escola
Libertos e forros, silentes de medo nas vielas do morro
Passado de luta insiste ecoar no sangue quilombola
Engana a realidade da falsa liberdade, pedem socorro

Há muvuca, cabeça de negro a prêmio, pretexto não falta
De preconceito em preconceito, vaga distante a paz
Curam antigas feridas, surge uma nova e lhe assalta
Ameniza as mais doloridas em preces aos orixás

Valei-me Oxalá! Poderoso criador
Dai-me seus conselhos Nanã
Escutai nosso grito de clamor
Afastai mau olhado um balangandã

Valei-me todos sincréticos santos
Enviem mensagem... um sinal
A liberdade dos Nagôs e Bantos
Chegue antes do Juízo Final
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https://www.recantodasletras.com.br/poesias/6798998

05 novembro 2019

PININHA, A INEXORÁVEL



Bom dia, Pina...
(silêncio)
Pina, bom dia...
(silêncio)
Pina! Estou falando com você...
(silêncio)
Pina, você não está me ouvindo?
(silêncio)
Ai... Ai... Ai... Ai... Ai... O que deu nela?
(aos gritos) – Piiiiiiiinaaa...
Vixe! Carece de gritar, Dona Gertrudes.
Acordou?
Faz tempo... Às quatro... Já peguei “busão” lotado... Trânsito parado... Não bronqueia que eu estou atrasada.
Ai! Pina... Que susto!... Pensei que tivesse acontecido algo diferente. Que você “tivesse” magoada comigo.
Gegê, não é tivesse... É estivesse...
Que deu em você? Engoliu um dicionário?
Não! A Zefinha, vizinha de casa “tá” no EJA.
Não é “ta”. É está.
Está correta, Gegê.  A senhora aprendeu no EJA.
Não! Eu não frequentei o EJA.
Ta bom!
Por que?
Ia perguntar o que é EJA?
AI! Pina... Educação de Jovens e Adultos.
Vivendo e aprendendo.
Mas o que tem o EJA com você não dizer bom dia.
Boca fechada não entra mosca, nem sai bobagem.
Quanta filosofia! O que deu em você hoje?
A Zefinha deu de ficar corrigindo tudo o que eu falo errado.
Sempre é bom aprender.
Gegê! Parei de escutar rádio de madrugada.
Por que?
Falam muita palavra errada. Depois, a Pina, que é “meia” analfabeta pensa que eles falam tudo certo, repete e a Zefinha parece um papagaio corrigindo o que eu falo.
O que aconteceu?
Noite dessa, o moço do rádio falou que o “primeiro ouvinte que trazer sei lá o que na emissora, ganharia um par de ingresso pro show sei lá de quem”.
E daí, Pina?
A Zefinha falou que o certo era o moço dizer “trousser” ao invés de trazer.
A Zefinha ta certa.
Está, Gegê... Está...
Ai... Ai... Ai... Ai... Ai...
Fica difícil pra mim entender.
Para eu entender.
A senhora também faz confusão?
Não, Pina! Não é “mim” entender que se diz. É para eu entender. Mim é pronome oblíquo e pronomes oblíquos não podem ser sujeito.
Que?
Esquece a explicação. Lembre-se apenas que mim nunca faz nada. Quem faz é ”eu”.
A senhora? Eu é que levanto cedo, dou duro o dia inteiro faxinando a casa...
Ai... Ai... Ai... Ai... Ai...
Que foi?
Não é isso...
Não entendi...
Melhor deixar pra lá...
Já estou imaginando o que a senhora está pensando...
O que?
A burrice da Pina é “inezorável”...
Nossa Pina! É isso mesmo...
Vou procurar o Sindicato, falar com o advogado...
O que foi agora?
A senhora disse que sou burra.
Não! Pina... Você falou inexorável certinho.
Foi a Zefinha quem me ensinou. Eu falei que tinha escutado o moço do rádio falar que era inequizorável o que não sei quem fazia e ela disse que era “inezorável”.
É Pina! Muitas pessoas cultas falam errado “inexorável”. Muito bom o EJA que a Zefinha frequenta.
Gegê, posso fazer uma pergunta?
Adianta falar não?
Não! Se não souber não tem importância.
Pergunte, Pina.
O que é inexorável?


29 agosto 2019

QUEIMAÇÃO

QUEIMAÇÃO

Amazônia era legal,está se tornando virtual,
Pouco a pouco chegando ao fim

Fogo corre pelo chão, Pajé se desespera
Queima em brasa o terreiro do Avá Canoeiro
Cerra os olhos para não ver o fogareiro
Incêndio no rio ameaçava Anhanguera 
Sem casa, sem Floresta, sofre o guerreiro
Corrida sem destino de intocadas raças
Busca, em vão, pelas trilhas, não há caças

Amazônia era legal, está se tornando virtual,
Pouco a pouco chegando ao fim

Revoada sem destino, passa o passaredo
Asas e bicos queimados, mortos de medo
Jauaperis, Yanomanis, Arawetés
No Javaés não tem mais Tucunarés
Xô Caburé, amarelinho, andorinhão,
Xô Cardeal, araponga, arara, azulão
SOS Tupã e deuses de todas as fés

Amazônia era legal, está se tornando virtual,
Pouco a pouco chegando ao fim

Tum, tum, tum... acelerados os corações
Será que o Negro desviará do Solimões?
Foi o Boto... Foi o Boto... Sedutor de cunhantãs
A mata perdendo o verde... Vingança dos céus
Anhangá sopra línguas de fogo pelas manhãs
Queima igual Sodoma, de qual pecado serão réus
Xô Patativa, xô sanhaçu, choroso canto do Uirapuru

Amazônia era legal, está se tornando virtual,
Pouco a pouco chegando ao fim
Araguaia, Tapajós,Tocantins, Xingu
Rios morrendo, onde viverá Pirarucu,
Sem pássaro no céu, lago sem tracajá
Tristeza no Jawary, silencia o Boi-Bumbá
Não tem mais Caprichoso, adeus Garantido
Veio a queimação, cantar perdeu o sentido
Xô Figuinha, xô flautim, xô pequeno curumim
Amazônia era legal, está se tornando virtual,
Pouco a pouco chegando ao fim
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https://www.recantodasletras.com.br/poesias/6732133

26 janeiro 2019

MARDINHO OU BRUMARANA

 Resultado de imagem para BRUMADINHO


Estalo repentino desceu a ladeira
Corredeira do rio cheio de lama
Pesadelos iguais em cada cama
Ruas abaixo escorre tristeza rotineira
Mortos quantos sonhos de felicidade
Resta o nada atrás segue a saudade
Sumiu o parceiro do café da manhã
As paredes da sala feito um tobogã
A mesa, o fogão, o carnê da geladeira
Rolaram correnteza em parafuso
Sem fim a dor do sobrevivente confuso
Fora do combinado a derradeira viagem
Sem despedida, nem tempo pra saideira
Vale despenca destaca a televisão
Chama a manchete da reportagem
Primeira página minutinho de fama
Amanhã breve lembrança sem novidade
Esquecida num canto da memória
Depois da missa, discussão na justiça
E a tragédia enterrada
De tempos em tempos repete-se a história

Resultado de imagem para BRUMADINHO
Sem sirene disparada
Estalo repentino
Rola o morro outra Barragem...
Muda o nome da cidade
A última foi Mardinho...
Ou Brumarana?
Se a memória não me engana...
Foi... Espirito Santo de Minas...
Barro descendo morro
Pais, mães, meninos, meninas
Silentes os gritos de socorro
Lágrimas secarão ao chão
Sem qualquer solução