23 agosto 2009

CHUTANDO TAMPINHA NO VIADUTO

CHUTANDO TAMPINHA NO VIADUTO

De repente, vejo a tampinha à minha frente e instintivamente chuto-a.
Fiquei feliz...
Depois de tantos anos chutei uma tampinha de cerveja em pleno Viaduto Santa Ifigênia.
Segui a tampinha e chutei novamente, desta vez tentando acertá-la no meio dos trilhos dos bondes.
Enlouqueceu? Não há mais trilhos de bonde no viaduto.
Os bondes pararam de circular, mas os trilhos continuam lá.
Estão sob as pastilhas do calçamento, eu sei.
Se não estiverem, faço de conta.
Puxei pela memória e me lembrei de haver chutado muita tampinha na infância.
E andado de bonde.
Nem uma coisa nem outra no viaduto Santa Ifigênia.
Enquanto corria atrás da tampinha, matutei porque tanta euforia em chutar uma tampinha num sábado à tarde.
Serão os primeiros sinais de senilidade?
Será porque sempre me pareceu impossível chutar tampinhas ali?
Quando era criança, não podia fazê-lo porque havia os bondes, carros e muita gente passando.
Depois que os bondes saíram, em 1968, vieram os ônibus.
Saíram os ônibus e vieram os ambulantes.
Nessa época, bem mais recente, não ficaria bem, eu, um adulto, chutar tampinhas no viaduto ou em qualquer outro lugar.
Com advento das latinhas, o adeus definitivo ao sonho que eu nem lembrava mais.
Parecia arte do destino.
Não chutaria tampinhas no viaduto.
Corro atrás da tampinha que seguiu retinha pelo caminho do trilho.
Chuto outra vez.
Corro de novo atrás dela.
De relance, percebo que as raras pessoas que passam sobre o viaduto, num final de tarde de um sábado, estão me olhando de “rabo de olho”.
Olham, mas seguem seu rumo. Nem ligam.
Com tanto maluco à solta, que há de mais em chutar-se uma tampinha em cima do viaduto.
Chutei mais uma vez e tenho a idéia brilhante de fazer embaixada com a tampinha.
Tento uma, duas, três, nem sei quantas vezes fazer com que a tampinha saia do chão.
Consigo e chuto a tampinha para o alto.
Ela passou pelo beiral do viaduto e caiu lá embaixo na avenida.
Num instante me lembro porque eu sentia tanto mistério no viaduto.
Muita gente voou daquele viaduto como a tampinha.
Aproximei-me do beiral e olhei para baixo vasculhando o asfalto.
Não vi mais a tampinha no meio do tráfego.
Se a visse acho que descia para buscar e guardava de recordação do instante da infância revivida, depois de tanto tempo.

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