28 novembro 2009

O DECORADOR

Decorava tudo
Desde pequenino...
Ainda não sabia ler e se lhe perguntassem qualquer data de qualquer tempo ele não titubeava...
Que dia da semana caíra 14 de abril de 1912?
Domingo...
Essa era fácil... Naufrágio do Titanic...
Mas o garoto não sabia ler...
E Primeiro de Setembro de 1910?
Quarta-feira... Fundação do Corinthians, respondia...
Quando entrou para a escola já decorara todas as vogais e consoantes...
Num instantinho decorou a tabuada, números primos até 100, o nome completo e data do nascimento de todos os vinte e cinco primos, dos avós e bisavós.
Das tias também.
Das professoras, que não eram tias, sabia o nome completo e o dia do aniversário...
Quase sabia de cor contra quem Pelé marcou cada um de seus mil gols...
Vencedores da São Silvestre? Houve tempo que sabia do primeiro ao quinto...
Occipital, Frontal, Malar e assim ia desfiando os ossos do corpo da cabeça até o menor artelho ou o hióide. Adorava o músculo esterno-cleido-mastoideo...
Ácido com base? Sal e água...
Festivais da Canção? Em disparada dizia feito uma roda viva o nome de todos os cantores e compositores das vencedoras...
Poesias simbolistas era moleza...
Sabia perfeitamente onde estava cada CD e livro, desde que a faxineira não limpasse as prateleiras...
Telefones de clientes? Para que lista?
Nome dos alunos? Perder tempo fazendo chamada para que?
Memória fotográfica...
Perdeu duas máquinas fotográficas, esquecidas em algum lugar...
Com o advento dos emails, passou a decorar estes também...
Uma vez se atreveu a esquecer o aniversário de casamento...
Levou uma bronca...
Foi o fim...
Decidiu que não esqueceria mais e divorciou-se...
Esqueceu o dia da audiência e teve que se lembrar da pensão durante muitos anos.
Sobrevieram doenças características do envelhecimento.
Começou a não se lembrar de mais nada...
Hoje se lembra vagamente do nome do remédio, que um doutor receitou e se não lhe derem, esquece de tomar no asilo onde está esquecido...

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