21 dezembro 2019
02 dezembro 2019
GIINGADO DA MORENA (letra de samba)
GINGADO DA MORENA (letra de samba)
Quem acha feliz a morena gingando na passarela
Não é fácil a vida dela
Não é fácil a vida dela (refrão)
Cedinho dependurada no transporte
(Coisa que ninguém merece)
Faz prece pra ver muda a sorte
Se não for possível ganhar na loteria
Ser por um dia rainha da bateria
Quase meio-dia, preparar a mistura
Geladeira vazia, preços pela hora da morte
Grana curta, o jeito é a xepa na feira
Decidir entre a fruta ou a verdura
Qual vai durar a semana inteira
Tarde de sol, inveja quem fica na praia
Deitado na areia, ler, sem pressa, a revista
Imagina-se a principal passista
Canga a cobrir a tanga, só um tomara que caia
No calçadão seu passo ensaia
Volta à realidade ao repentino trovão
Nuvens cobrem a cidade, vem chuvas de verão
Escuridão anuncia o habitual temporal
Dispara a correr como fechassem o portão
Na apoteose e vai recolher as roupas do varal
Passada a tempestade
Busca forças na solidariedade
Resgatar as sobras do vendaval
Acalma quem está à beira da loucura
A dor da perda não tem cura
Amanhã breve nota no jornal
Sem juras de amor, paz é breve momento
Tatuagem na pele disfarça a cicatriz
Lembrança da agressão brutal
Na discussão banal
Desentendimento de casal
Um passo de improviso, abre no rosto o sorriso
Gingando na passarela
Parece estar a morena feliz
Ela tem mesmo um gingado
Diferente, especial
Que ninguém vê quando acaba o carnaval
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20 novembro 2019
GRITO NEGRO
Liberdade...Liberdade.../
Abre as asas sobre nós
Liberdade... Liberdade.../ Ouçam um dia nossa voz
(Incidentais – Ala de Compositores - Imp. Leopoldinense 1989).
Valei-me Ogum guerreiro,
Iluminai esta escuridão
No porão de Navio Negreiro
Partiram pai, mãe, irmão
Pele arde, a alma pena presas
no pelourinho do porto negreiro
Sol de verão à pino, espera comprador que pague seu valor
Examina a boca, manda virar o corpo confere se está
inteiro
Queria levar, mas é magrinho preciso de um bom reprodutor
Macho dessa raça é viril e se levar dois cobro-lhe apenas
mil
Moedas na mão, pregoeiro abre sorriso, anuncia os próximos
lotes:
Preciosas prendas, perfeitas pra emprenhar, vejam que
quadril
Predadores à espreita prontos pra provar seus dotes
Valei-me Iansã dos ventos
Levai ao céu nossas vozes
Soprai pra longe os sofrimentos
Afastai de nós os algozes
Triste a procura inútil pelo carinho de mãos amigas
Vida trancada em senzala, grossa corrente no pé
Madrugadas sofridas entoando estranhas cantigas
Lembrança dos antepassados para não perderem a fé
As noites são longas, escravos amontoados no chão
Cantoria se repete, persistente, cansativo estribilho
Serve para aplacar o banzo reforçar o ódio no coração
Esperança que resta, deixa como herança ao filho
Valei-me Oxóssi Caçador
Moleque seja seu protegido
Aquecei-o com seu calor
Nas lutas não saia ferido
Apanhar desde pequeno pra aprender a prender o choro
Trabalhar sem preguiça, o chibata vai lanhar o couro
Pode rasgar a pele, pele negra não serve para coser
Que vida é essa, apenas promessa o amor e prazer
Dias quentes e longos, resistem aos trancos e barrancos
Malungos abatidos de banzo, mandingas pra não perder a
coragem
Na alma o ódio crescente, carne ansiando vingança aos
brancos
Uma forma de luta, dengos e cafunés em inexorável
mestiçagem
Valei-me grande Senhora
Olhai por seus filhos, Iemanjá,
Levai o sofrimento embora
Afastai dos males, Saravá!
Meninas pequenas impúberes sem defesa eram abusadas
Pelo dono da terra, amigos do dono, capitães do mato, o
feitor
Rude rotina diária, a vida não para, ouve-se pelas
madrugadas
Gritos das dores do parto, nas mãos da mucama a mistura
de cor
Ao mundo os primeiros negrinhos sararás e branquinhas
pixaim
Corria nas veias sangue de Luanda e Congo junto ao
português
Sem romantismo na história, era vitória dos povos de
Benin,
Dos Bantus de Angola, Nagôs, de Benguela, Daomés e Malês
Valei-me a justiça de Xangô
Digam os Ofós... despertem Ossaim
Muita Saúde ao povo Nagô
Todos juntos na lavagem do Bomfim
Tempo tira a lisura do rosto, cerca o olhar de rugas
Tambores rompem horizontes espalhando aos ares
Trilhas secretas dos cafundó, onde há refúgio nas fugas
Os caminhos de Kalunga, Marolim, Urubu e Palmares
A liberdade é conquista de poucos nas Cartas de Alforria
Princesa assina um documento contendo falsa abolição
Permanecem invisíveis correntes, nas lutas de cada dia
Negros, Pardos, Mulatos... parece não ter fim a escravidão
Valei-me entre outros tantos
Ganga Zumba... Zumbi...
Meia Légua....
Dragão do Mar de Aracati...
À benção aos que deram a vida nas lutas da raça
Valei-me almas quase santas
Menininha do Gantois...
Carolina e Clementina de Jesus...
Dandara... Lia de Itamaracá...
À benção... mulheres negras e seus gritos de alerta
Valei-me, mentores e entidades
Tia Ciata, Maria Firmina, Solano Trindade...
Um salve a Castro Alves
À benção...Poetas cheios de luz
Seus versos revelam cruéis verdades...
Denunciam o laço que aperta a mordaça
Abafando até hoje os gritos dos porões
Joga capoeira, dança jongo, com abadá da escola
Libertos e forros, silentes de medo nas vielas do morro
Passado de luta insiste ecoar no sangue quilombola
Engana a realidade da falsa liberdade, pedem socorro
Há muvuca, cabeça de negro a prêmio, pretexto não falta
De preconceito em preconceito, vaga distante a paz
Curam antigas feridas, surge uma nova e lhe assalta
Ameniza as mais doloridas em preces aos orixás
Valei-me Oxalá! Poderoso criador
Dai-me seus conselhos Nanã
Escutai nosso grito de clamor
Afastai mau olhado um balangandã
Valei-me todos sincréticos santos
Enviem mensagem... um sinal
A liberdade dos Nagôs e Bantos
Chegue antes do Juízo Final
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05 novembro 2019
PININHA, A INEXORÁVEL
Bom dia, Pina...
(silêncio)
Pina, bom dia...
(silêncio)
Pina! Estou falando com você...
(silêncio)
Pina, você não está me ouvindo?
(silêncio)
Ai... Ai... Ai... Ai... Ai... O que deu nela?
(aos gritos) – Piiiiiiiinaaa...
Vixe! Carece de gritar, Dona Gertrudes.
Acordou?
Faz tempo... Às quatro... Já peguei “busão” lotado... Trânsito
parado... Não bronqueia que eu estou atrasada.
Ai! Pina... Que susto!... Pensei que tivesse acontecido
algo diferente. Que você “tivesse” magoada comigo.
Gegê, não é tivesse... É estivesse...
Que deu em você? Engoliu um dicionário?
Não! A Zefinha, vizinha de casa “tá” no EJA.
Não é “ta”. É está.
Está correta, Gegê.
A senhora aprendeu no EJA.
Não! Eu não frequentei o EJA.
Ta bom!
Por que?
Ia perguntar o que é EJA?
Ia perguntar o que é EJA?
AI! Pina... Educação de Jovens e Adultos.
Vivendo e aprendendo.
Mas o que tem o EJA com você não dizer bom dia.
Boca fechada não entra mosca, nem sai bobagem.
Quanta filosofia! O que deu em você hoje?
A Zefinha deu de ficar corrigindo tudo o que eu falo
errado.
Sempre é bom aprender.
Gegê! Parei de escutar rádio de madrugada.
Por que?
Falam muita palavra errada. Depois, a Pina, que é “meia” analfabeta pensa que eles falam tudo certo, repete e a Zefinha parece um papagaio corrigindo o que eu falo.
Falam muita palavra errada. Depois, a Pina, que é “meia” analfabeta pensa que eles falam tudo certo, repete e a Zefinha parece um papagaio corrigindo o que eu falo.
O que aconteceu?
Noite dessa, o moço do rádio falou que o “primeiro ouvinte
que trazer sei lá o que na emissora, ganharia um par de ingresso pro show sei
lá de quem”.
E daí, Pina?
A Zefinha falou que o certo era o moço dizer “trousser” ao
invés de trazer.
A Zefinha ta certa.
Está, Gegê... Está...
Ai... Ai... Ai... Ai... Ai...
Fica difícil pra mim entender.
Para eu entender.
A senhora também faz confusão?
Não, Pina! Não é “mim” entender que se diz. É para eu
entender. Mim é pronome oblíquo e pronomes oblíquos não podem ser sujeito.
Que?
Esquece a explicação. Lembre-se apenas que mim nunca faz
nada. Quem faz é ”eu”.
A senhora? Eu é que levanto cedo, dou duro o dia inteiro
faxinando a casa...
Ai... Ai... Ai... Ai... Ai...
Que foi?
Não é isso...
Não entendi...
Melhor deixar pra lá...
Já estou imaginando o que a senhora está pensando...
O que?
A burrice da Pina é “inezorável”...
Nossa Pina! É isso mesmo...
Vou procurar o Sindicato, falar com o advogado...
O que foi agora?
A senhora disse que sou burra.
A senhora disse que sou burra.
Não! Pina... Você falou inexorável certinho.
Foi a Zefinha quem me ensinou. Eu falei que tinha
escutado o moço do rádio falar que era inequizorável o que não sei quem fazia e
ela disse que era “inezorável”.
É Pina! Muitas pessoas cultas falam errado “inexorável”. Muito
bom o EJA que a Zefinha frequenta.
Gegê, posso fazer uma pergunta?
Adianta falar não?
Não! Se não souber não tem importância.
Pergunte, Pina.
O que é inexorável?
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29 agosto 2019
QUEIMAÇÃO
QUEIMAÇÃO
Amazônia era legal,está se tornando virtual,
Pouco a pouco chegando ao fim
Fogo corre pelo chão, Pajé se desespera
Queima em brasa o terreiro do Avá Canoeiro
Cerra os olhos para não ver o fogareiro
Incêndio no rio ameaçava Anhanguera
Sem casa, sem Floresta, sofre o guerreiro
Corrida sem destino de intocadas raças
Busca, em vão, pelas trilhas, não há caças
Amazônia era legal, está se tornando virtual,
Pouco a pouco chegando ao fim
Revoada sem destino, passa o passaredo
Asas e bicos queimados, mortos de medo
Jauaperis, Yanomanis, Arawetés
No Javaés não tem mais Tucunarés
Xô Caburé, amarelinho, andorinhão,
Xô Cardeal, araponga, arara, azulão
SOS Tupã e deuses de todas as fés
Amazônia era legal, está se tornando virtual,
Pouco a pouco chegando ao fim
Tum, tum, tum... acelerados os corações
Será que o Negro desviará do Solimões?
Foi o Boto... Foi o Boto... Sedutor de cunhantãs
A mata perdendo o verde... Vingança dos céus
Anhangá sopra línguas de fogo pelas manhãs
Queima igual Sodoma, de qual pecado serão réus
Xô Patativa, xô sanhaçu, choroso canto do Uirapuru
Amazônia era legal, está se tornando virtual,
Pouco a pouco chegando ao fim
Araguaia, Tapajós,Tocantins, Xingu
Rios morrendo, onde viverá Pirarucu,
Sem pássaro no céu, lago sem tracajá
Tristeza no Jawary, silencia o Boi-Bumbá
Não tem mais Caprichoso, adeus Garantido
Veio a queimação, cantar perdeu o sentido
Xô Figuinha, xô flautim, xô pequeno curumim
Amazônia era legal, está se tornando virtual,
Pouco a pouco chegando ao fim
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26 janeiro 2019
MARDINHO OU BRUMARANA
Estalo repentino desceu a ladeira
Corredeira do rio cheio de lama
Pesadelos iguais em cada cama
Ruas abaixo escorre tristeza rotineira
Mortos quantos sonhos de felicidade
Resta o nada atrás segue a saudade
Sumiu o parceiro do café da manhã
As paredes da sala feito um tobogã
A mesa, o fogão, o carnê da geladeira
Rolaram correnteza em parafuso
Sem fim a dor do sobrevivente confuso
Fora do combinado a derradeira viagem
Sem despedida, nem tempo pra saideira
Vale despenca destaca a televisão
Chama a manchete da reportagem
Primeira página minutinho de fama
Amanhã breve lembrança sem novidade
Esquecida num canto da memória
Depois da missa, discussão na justiça
E a tragédia enterrada
De tempos em tempos repete-se a história
Sem sirene disparada
Estalo repentino
Rola o morro outra Barragem...
Muda o nome da cidade
A última foi Mardinho...
Ou Brumarana?
Se a memória não me engana...
Foi... Espirito Santo de Minas...
Barro descendo morro
Pais, mães, meninos, meninas
Silentes os gritos de socorro
Lágrimas secarão ao chão
Sem qualquer solução
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