01 abril 2020

PROCURA-SE ANIMAL DE ESTIMAÇÃO

PROCURA-SE ANIMAL DE ESTIMAÇÃO

Depois de longo e quase infrutífero tratamento psiquiátrico, rendi-me aos insistentes conselhos do médico e sua ladainha: “Por que não adota um animalzinho? Ser-lhe-ia de imensurável valia em sua recuperação”.
Garantiu-me que bichinhos de estimação são excelentes companheiros.
Vencendo considerável resistência interior, comecei a procura de um bichinho de estimação, que aliviasse meus momentos de solidão.
Diferentemente da praxe de um cidadão comum, recusava-me cometer o erro de comprar qualquer cãozinho, só porque é bonitinho ou pareceu dirigir-me um sorriso simpático.
Os leitores sabem que o único cachorro que “latiu sorrindo” é o da música do Roberto? Cães não sorriem.
Pesquiso na Internet e dirijo-me a uma loja que oferecia filhotes com       “pedigree” e certificado. Vencidos quarenta e cinco minutos de explicações sobre o comportamento das diversas raças expostas, o tipo de alimentação indicado para a boa saúde e satisfatório desenvolvimento de cada uma delas, etecetera... etecetera... etecetera..., o consultor concluiu qual seria a mais compatível para a minha necessidade e, por feliz coincidência, apenas naquele dia, havia um com considerável desconto promocional e passou-me o valor.
Numa demonstração de boa vontade e interesse, pedi-lhe a caneta e a calculadora. Fiz rápida continha e meu, já deficitário, planejamento orçamentário mensal, convenceu-me a desistir da aquisição de um pet de pedigree.
Pesquisa na Internet e lá estou eu, na ensolarada manhã de domingo, cercado de crianças gritando, jovens casais enamorados escolhendo o presente mútuo. As faixas no parque anunciavam a feira de adoções de “cães abandonados”, vacinados e castrados.
Cansado de ouvir as maldades que este e aquele cãozinho sofrera, finalmente, escolhi um.
Cartão de crédito na mão, aguardava na fila para pagar a taxa de vacinação.
A voluntária de ONG, querendo ser agradável, foi infeliz e confidenciou-me que o cãozinho escolhido por mim, sofrera muitas malvadezas e fora abandonado numa estrada.
Uma voz dentro de mim alertou: “De abandonado, basta-se você”.
Pensamento viajando...
Veio-me à ideia a difícil convivência com um cachorrinho que, por genética ou relacionamento osmótico com seu companheiro sofresse de solidão e nas crises latisse, intermitentemente, como o cãozinho de latido estridente, do terceiro andar do prédio ao lado de casa, condenado a ficar só todos os dias, o dia inteiro.
Não, senhor! Está decidido. Vou levar este e fim de conversa. Já o vejo aos meus pés, enroscando-se em minhas pernas.
A companhia valerá qualquer sacrifício.
Pense bem! Interromper seu trabalho ou pausar o filme, só porque está na hora de sua “majestade” passear. Recolher suas fezes e jogar, disfarçadamente, o saquinho à porta de outra casa, porque alguém destruiu o cestinho de lixo que a Prefeitura colocara no poste.
Veio-me o sentimento de pena (e muito nojo) ao pensar que o saquinho rasque e a luva do gari fique suja, enquanto as pessoas ao meu redor estranhavam, que eu estivesse falando sozinho.
Se passou pela cabeça do leitor, sugerir-me contratar um “doggie-walker”, pensei isso também.
Eu não vou pagar pelo tratamento de solidão do cidadão.
“Vade-retro”!
Ok! Você venceu.
Desculpei-me com a voluntária, alegando que estava atrasado e fui embora.
Definitivamente, cachorros, não!
Segunda opção era, óbvio, um gato.
Nem pesquisei na Internet.
Surgiu-me uma esquecida imagem guardada no fundo do cérebro.
Vi o sofá da sala da casa de um colega de ginásio, filho de uma contumaz “adotante” de gatos de rua “abandonados”, rasgado pelas delicadas unhas dos felinos. Entremeou-se a lembrança do primo Zequinha espirrando de alergia aos pelos dos gatos da Tia Lalá. Lembrei-me, não sei bem porquê da mania que os “Felis catus” têm de, em seus passeios noturnos, após atiçarem o latido de cachorros, depositarem suas necessidades nos tanquinhos de areia de escolas de educação infantil e playgrounds.
Rápida a decisão
Definitivamente, gatos, não!
Pesquisei na Internet sobre os hamsters.
Pequenos, fáceis de carregar, manutenção barata, sem necessidade de passeios diários.
Ótimo! Está decidido. Comparei um hamster. Um casal.
Peralá!
Alguma coisa me disse: “Pense bem!”.
Hamster procriam tresloucadamente. Em um ano não terá mais para quem dar filhotinhos.
Já pensou que pode piorar sua depressão. Como se abaterá à tristeza e sentimento de culpa, caso algum gato invada a lavanderia e devore os hamsters?
Oh” My God”.
Definitivamente, hamster, não!
Já que estava no computador, pesquisei na Internet e li que os coelhos são carinhosos, meigos, não têm crises de agressividade.
Por que não pensei neles antes. Amanhã mesmo irei adquirir um branquinho.
Quase desligando o computador e, obra do acaso, acessei outro site que tratava de coelhos.
Bocejante, arregalei os olhos ao ler que os dentes dos coelhos não param de crescer e à falta de cenouras, roem o que virem pela frente.
Nem pensar roerem os pés da mesa colonial da sala de jantar.
Olhei para as figuras da publicidade do site e lá estava o coelhinho da Páscoa com uma cenourinha na mão.
Ai! Esses dilemas: “Cenoura ou chocolate?”
Minha glicemia anda alta.
Definitivamente, coelhos, não!
Alguém perguntará: “Que tal canários, numa gaiola, cantando só para você?”.
Passarinhos?  Presos?
Já são meus, e de toda vizinhança, diversos Sabiás e Bem-te-vis. Cantam livres no quintal. Fazem ninhos no limoeiro e na mexeriqueira.
Definitivamente, pássaros, não!
Conformado com meu fracasso em conseguir um animal de estimação, olhar perdido, eis que vejo Calango passeando pelo teto da cozinha.
Ah! Calango é o nome genérico que chamo a(s) Lagartixa(s) que vira e mexe aparecem em casa. Às vezes, faz(em)-me companhia no lanchinho das madrugadas de insônia. Não é(são) de muito falar, mas parece(m) prestar atenção em minhas sandices quando falo sozinho, discutindo alguma ideia mirabolante com meu ego (ou será alter-ego?).
Confesso, e negarei sempre, muito de vez em quando, conversar com algum caracol perdido no vaso de flor.
Caracóis são pacientes. Param para escutar e demoram para irem embora.
Também, vez ou outra, muito do raramente, pego-me falando com um unicórnio que sobe pela parede do quarto. É tímido. Desaparece, como por encanto, quando passa o efeito do remédio para dormir.
Calma aí!
Não! Não é com você, leitor.
É meu grilo-falante. Está todo enciumado. Reclamando que nem falei dele. Esqueço que ele existe.
Ele é assim mesmo.
Enxerido.
Vive dando-me conselhos, mesmo quando não peço opinião.
Puxa-me a orelha, por coisas que nem a mão esquerda sabe que a direita fez.
É o contraponto de todas as minhas ideias.
É assim, tipo meu animalzinho de estimação.
Só que ele fala, fala, fala...
Eu finjo dar-lhe a maior atenção.
Mas, doutor, juro...
Nunca obedeço...

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