PROCURA-SE ANIMAL DE
ESTIMAÇÃO
Depois de longo e quase infrutífero tratamento
psiquiátrico, rendi-me aos insistentes conselhos do médico e sua ladainha: “Por
que não adota um animalzinho? Ser-lhe-ia de imensurável valia em sua
recuperação”.
Garantiu-me que bichinhos de estimação são excelentes
companheiros.
Vencendo considerável resistência interior, comecei a procura
de um bichinho de estimação, que aliviasse meus momentos de solidão.
Diferentemente da praxe de um cidadão comum, recusava-me
cometer o erro de comprar qualquer cãozinho, só porque é bonitinho ou pareceu dirigir-me
um sorriso simpático.
Os leitores sabem que o único cachorro que “latiu
sorrindo” é o da música do Roberto? Cães não sorriem.
Pesquiso na Internet e dirijo-me a uma loja que oferecia
filhotes com “pedigree” e
certificado. Vencidos quarenta e cinco minutos de explicações sobre o
comportamento das diversas raças expostas, o tipo de alimentação indicado para a
boa saúde e satisfatório desenvolvimento de cada uma delas, etecetera... etecetera...
etecetera..., o consultor concluiu qual seria a mais compatível para a minha
necessidade e, por feliz coincidência, apenas naquele dia, havia um com
considerável desconto promocional e passou-me o valor.
Numa demonstração de boa vontade e interesse, pedi-lhe a
caneta e a calculadora. Fiz rápida continha e meu, já deficitário, planejamento
orçamentário mensal, convenceu-me a desistir da aquisição de um pet de
pedigree.
Pesquisa na Internet e lá estou eu, na ensolarada manhã
de domingo, cercado de crianças gritando, jovens casais enamorados escolhendo o
presente mútuo. As faixas no parque anunciavam a feira de adoções de “cães
abandonados”, vacinados e castrados.
Cansado de ouvir as maldades que este e aquele cãozinho
sofrera, finalmente, escolhi um.
Cartão de crédito na mão, aguardava na fila para pagar a
taxa de vacinação.
A voluntária de ONG, querendo ser agradável, foi infeliz
e confidenciou-me que o cãozinho escolhido por mim, sofrera muitas malvadezas e
fora abandonado numa estrada.
Uma voz dentro de mim alertou: “De abandonado, basta-se
você”.
Pensamento viajando...
Veio-me à ideia a difícil convivência com um cachorrinho
que, por genética ou relacionamento osmótico com seu companheiro sofresse de
solidão e nas crises latisse, intermitentemente, como o cãozinho de latido
estridente, do terceiro andar do prédio ao lado de casa, condenado a ficar só todos
os dias, o dia inteiro.
Não, senhor! Está decidido. Vou levar este e fim de conversa.
Já o vejo aos meus pés, enroscando-se em minhas pernas.
A companhia valerá qualquer sacrifício.
Pense bem! Interromper seu trabalho ou pausar o filme, só
porque está na hora de sua “majestade” passear. Recolher suas fezes e jogar,
disfarçadamente, o saquinho à porta de outra casa, porque alguém destruiu o
cestinho de lixo que a Prefeitura colocara no poste.
Veio-me o sentimento de pena (e muito nojo) ao pensar que
o saquinho rasque e a luva do gari fique suja, enquanto as pessoas ao meu redor
estranhavam, que eu estivesse falando sozinho.
Se passou pela cabeça do leitor, sugerir-me contratar um
“doggie-walker”, pensei isso também.
Eu não vou pagar pelo tratamento de solidão do cidadão.
“Vade-retro”!
Ok! Você venceu.
Desculpei-me com a voluntária, alegando que estava
atrasado e fui embora.
Definitivamente, cachorros, não!
Segunda opção era, óbvio, um gato.
Nem pesquisei na Internet.
Surgiu-me uma esquecida imagem guardada no fundo do
cérebro.
Vi o sofá da sala da casa de um colega de ginásio, filho
de uma contumaz “adotante” de gatos de rua “abandonados”, rasgado pelas
delicadas unhas dos felinos. Entremeou-se a lembrança do primo Zequinha espirrando
de alergia aos pelos dos gatos da Tia Lalá. Lembrei-me, não sei bem porquê
da mania que os “Felis catus” têm de, em seus passeios noturnos, após atiçarem
o latido de cachorros, depositarem suas necessidades nos tanquinhos de areia de
escolas de educação infantil e playgrounds.
Rápida a decisão
Definitivamente, gatos, não!
Pesquisei na Internet sobre os hamsters.
Pequenos, fáceis de carregar, manutenção barata, sem
necessidade de passeios diários.
Ótimo! Está decidido. Comparei um hamster. Um casal.
Peralá!
Alguma coisa me disse: “Pense bem!”.
Hamster procriam tresloucadamente. Em um ano não terá
mais para quem dar filhotinhos.
Já pensou que pode piorar sua depressão. Como se abaterá
à tristeza e sentimento de culpa, caso algum gato invada a lavanderia e devore
os hamsters?
Oh” My God”.
Definitivamente, hamster, não!
Já que estava no computador, pesquisei na Internet e li
que os coelhos são carinhosos, meigos, não têm crises de agressividade.
Por que não pensei neles antes. Amanhã mesmo irei
adquirir um branquinho.
Quase desligando o computador e, obra do acaso, acessei
outro site que tratava de coelhos.
Bocejante, arregalei os olhos ao ler que os dentes dos
coelhos não param de crescer e à falta de cenouras, roem o que virem pela
frente.
Nem pensar roerem os pés da mesa colonial da sala de
jantar.
Olhei para as figuras da publicidade do site e lá estava
o coelhinho da Páscoa com uma cenourinha na mão.
Ai! Esses dilemas: “Cenoura ou chocolate?”
Minha glicemia anda alta.
Definitivamente, coelhos, não!
Alguém perguntará: “Que tal canários, numa gaiola,
cantando só para você?”.
Passarinhos? Presos?
Já são meus, e de toda vizinhança, diversos Sabiás e
Bem-te-vis. Cantam livres no quintal. Fazem ninhos no limoeiro e na
mexeriqueira.
Definitivamente, pássaros, não!
Conformado com meu fracasso em conseguir um animal de
estimação, olhar perdido, eis que vejo Calango passeando pelo teto da cozinha.
Ah! Calango é o nome genérico que chamo a(s) Lagartixa(s)
que vira e mexe aparecem em casa. Às vezes, faz(em)-me companhia no lanchinho
das madrugadas de insônia. Não é(são) de muito falar, mas parece(m) prestar
atenção em minhas sandices quando falo sozinho, discutindo alguma ideia mirabolante
com meu ego (ou será alter-ego?).
Confesso, e negarei sempre, muito de vez em quando, conversar
com algum caracol perdido no vaso de flor.
Caracóis são pacientes. Param para escutar e demoram para
irem embora.
Também, vez ou outra, muito do raramente, pego-me falando
com um unicórnio que sobe pela parede do quarto. É tímido. Desaparece, como por
encanto, quando passa o efeito do remédio para dormir.
Calma aí!
Não! Não é com você, leitor.
É meu grilo-falante. Está todo enciumado. Reclamando que
nem falei dele. Esqueço que ele existe.
Ele é assim mesmo.
Enxerido.
Vive dando-me conselhos, mesmo quando não peço opinião.
Puxa-me a orelha, por coisas que nem a mão esquerda sabe
que a direita fez.
É o contraponto de todas as minhas ideias.
É assim, tipo meu animalzinho de estimação.
Só que ele fala, fala, fala...
Eu finjo dar-lhe a maior atenção.
Mas, doutor, juro...
Nunca obedeço...
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