16 dezembro 2018

O EXATOR (A Formiga e A Cigarra)



                                                           
Na Vila ouvia-se ao longe a cantoria da casa do Sr. Chico Doido da Ideia.
“Canto e gosto de cantar. Quero levar a vida sempre a cantar”.
Bateu à porta um estranho.
Quem é? Gritou Chico, prosseguindo a cantoria: “Canto e gosto de cantar. Quero levar a vida sempre a cantar”.
Novo vizinho.
Ora, ora... Vizinho novo e já reclamando. Canto porque gosto de cantar.
Tenho muito trabalho e careço de silêncio. Não se cansa de tanta cantoria? Além de incomodar a vizinhança com sua felicidade, não pensa em nada além de cantar?
“Canto e gosto de cantar. Quero levar a vida sempre a cantar”.
Não teme o futuro?
Pouco, mas de mais a mais, não espalhe o fato, chegaram-me notícias que receberei parte da herança de um velho parente, que desconhecia até a existência. “Canto e gosto de cantar. Quero levar a vida sempre a cantar”.
Isto não o envergonha? O velho parente deve ter labutado às extremas para enriquecer e irá desperdiçar as economias em coisas banais. Não conhece o ditado “A água traz, a água leva”?
Vizinho, não me preocupa a origem do dinheiro que me cai às mãos. Simplesmente, gasto. O próprio El Rey disse que o povo precisa gastar para movimentar a economia. E de que adianta trabalhar, entesourar-me e não desfrutar dos prazeres que a riqueza pode dar?
Necessário prevenir-se para o dia de amanhã. Formar-se uma previdência para os anos de idade avançada. São lições que aprendi com meus avós, que vieram de outras Vilas. Veja a situação de quase miséria de parte de nosso povo. Mal dá para alimentação e remédios a verba ínfima que recebem de El Rey.
Nesta região da Vila sempre há uma alma boa que socorre na hora da necessidade.  Se ficar a pensar em problemas futuros, não gozarei dos prazeres presentes. É do DNA de minha família vida breve. El Rey não devolve à família a verba deixada a seus cuidados, se o súdito parte antes do combinado. Talvez divida-a com os nobres do palácio.
Tem dose de razão seus argumentos, mas sei de súditos que não deixam todas as economias aos cuidados de El Rey.
Como assim? El Rey sabe de tudo. As paredes desta Vila têm ouvidos sensíveis. Dizem que El Rey coloca Vassalos com leões a fiscalizar nossas riquezas para exigir seus tributos.
Há notícias trazidas pelos nômades sobre Vilas nas montanhas que escondem riquezas, sem noticiar El Rey.
Isso é interessante. Se existissem tais lugares, seria um Paraíso. Conhece alguma?
Locais secretos. Ninguém sabe ao certo.
E o senhor.... Como é seu nome?
Aparecido Formis. Pode chamar-me de Cidão.
Cidão, você guarda seus tesouros nessas Vilas?
Não posso revelar. É segredo.
Ah! Se eu pudesse fazer isso com parte da herança, seria maravilhoso.
Faria mesmo isso?
Claro! Mas, ocorre-me uma dúvida. De que vivem os Senhores dessas Vilas? 
Ora! De parte da riqueza que escondem.
Então é a mesma coisa. Cobram impostos... Como El Rey.
Dizem haver diferenças. Eles cobram apenas uma taxa sobre o tesouro que deixa aos cuidados deles. Você diz o valor.
Não conferem?
Os nômades dizem que não,
Quem me garante que quando eu pedir de volta meu tesouro, devolverão o valor correto?
É uma questão de confiança.
Pensarei sobre o assunto. Só uma curiosidade. Mora em qual casa?
De verdade, não moro aqui. Moro no Castelo.
Que vem fazer nesta região tão pobre da Vila?
Sou Exator de El Rey. Estou de passagem a verificar se não há tesouros secretos escondidos nesta região.
Os nômades comentaram sobre esta região? Devem estar doidos. Aqui só há pobreza.
Estava apenas de passagem, mas o senhor cantava tão feliz que me chamou a atenção.
Não conhece o ditado: “Quem canta seus males espanta?” Nesta humilde casa não achará tesouro algum.
Por enquanto... Voltarei breve. Noticie-me sobre a herança.
Nem tenho certeza se receberei.
Noticie-me, por favor... E o valor correto.
E se não o fizer.
Mandarei os Vassalos dos Leões virem cobrar. Tenha um bom dia.
O senhor o estragou.
Cante, Sr. Chico... Como era mesmo o cantiga?
 Cidão, o Exator, partiu sem mais.
Com ar de arrependimento, Chico cantarolou baixinho: “Fica o dito por não dito... Em boca fechada não entra mosquito...”
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(*) Alegoria/Fantasia “Homos sapiens” da fábula “A Formiga (Formicidae) e a Cigarra (Cicadoidea)

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