02 novembro 2017

DOMITILA EM TODOS OS CANTOS -150 ANOS DA MORTE DA MARQUESA DE SANTOS

03.Nov.1867 morria Domitila de Castro Canto e Mello, Marquesa de Santos.
Este conto baseia-se em fatos reais.
Uma grande mentira que pode ter ocorrido.
...................................................................................................
                                                                                               Foto Roseli Galuchi
-------------------------------------------------------------------------------

DOMITILA EM TODOS OS CANTOS  

O Encontro Secreto de Leopoldina e Chalaça




“Abre o olho, oh! Leopoldina
Com Titila, mulher vulgar
Cuidado que a concubina
Ainda toma o seu lugar...
Cuidado que a concubina
Cuidado que a concubina
Ainda toma o seu lugar”

Rio de Janeiro, Primavera de 1826.
“Mandou-me chamar, Majestade? O que pode fazer pelo Império um fiel súdito, a esta hora da noite? apresentou-se Chalaça.
“Boa noite, Francisco... Que fique entre nós o assunto deste encontro. O que tenho a conversar é bem diverso dos seus auxílios noturnos ao Imperador”.
“Farei o impossível se for para satisfazer a Imperatriz”.
“Precisamos livrar-nos desta rapariga”.
“Sobre quem se refere?”
“Ora, Francisco, não se faça de rogado. Estou às fartas! Este povo que tanto me amava, agora a ridicularizar-me diante das falsetas que Pedro prepara. Não és surdo e tem boa parte de culpa quanto a presença dela na Corte. Sabes muitíssimo bem o que estão a cantar pelas ruelas e bares de becos do Rio de Janeiro usando o hino Imperial do Brazil, para fazerem chacota à Família Real... Até os pequenos Miguel e Pedro andam a cantarolar os versos pelos corredores do Palácio”.
“Ah! Majestade. Não deverias transtornar-se com esse incômodo. Os pobres cariocas são de um cinismo e irreverência muito grandes. A senhora quer que eu sugira ao Imperador uma lei proibindo que cantem?”
“Não cheguemos a tanto, Francisco! Mas, é preciso afastar essa rapariga da Corte. Colocá-la no devido lugar. No esquecimento da História. Já é absurdo tê-la nomeado Viscondessa e correm notícias que será elevada a Marquesa dentro de dias.”
....................................................................................................................
Para o bom andamento do reino, era mister a Imperatriz fazer-se, publicamente, de cega, surda e muda frente ao romance de Foguinho - apelido com o qual o primeiro monarca do Brazil assinava seus bilhetes ardentes de paixão - e Titila (Domitila de Castro).
Entretanto, Leopoldina, protagonista e articuladora da Independência do Brazil, era inteligente e muito bem informada de todas ligações, políticas ou amorosas, de Pedro. A figura de Domitila incomodava. Parecia onipresente.  
O enlace amoroso de Foguinho e Titila iniciou-se dias antes da Proclamação da Independência de Sete de Setembro de 1822. Historiadores dão por certo, retornasse o Príncipe-Regente do primeiro encontro com Domitila, quando ocorreu o Grito do Y-piranga.
Chalaça (Francisco Gomes da Silva) foi quem aproximou o Príncipe Regente de Domitila… Chegam a afirmar formassem, à princípio, um triângulo amoroso.
O ciúme tornara-se recíproco entre as duas mulheres mais importantes da vida de D.Pedro I, no início de seu reinado.
Se Leopoldina sentia um ciúme de desprezo por Domitila, Titila ambicionava mais. No leito dividido, cochichava ao Imperador questões ambiciosas. Por que não o título de princesas às filhas comuns? Ou mais. Houvesse ocasião, por que não ela mesma ser coroada rainha? Bem que tentou, mas como é de conhecimento histórico, restou-lhe somente prêmios de consolação: Marquesa de Santos a ela e Viscondessas às filhas.
............................................................................................................ 
“Infelizmente, Majestade, acho que não posso agir nesta situação”, ponderou o Chalaça. “O imperador não me abre espaço as suas relações com Domitila. Poderia ofender-se se tocar em assunto de suas intimidades”.
Um misto de indignação e dureza carregaram as palavras de Leopoldina: “Não me venhas com evasivas. Estás sempre ao largo de atitudes de respeito e escrupulosas”.
“Majestade, ofende-me!”...
“Sabes que as paredes desta cidade ouvem e as cortesãs falam por todos os cantos... Não é nenhum segredo tenhas também ciúme e raiva dessa rapariga”...
“Não é o que dizem, Majestade! Conhecia Titila de saraus e festas na casa do Visconde de Castro”..
“Tinhas suficiente intimidade, para chamá-la assim? Titila...”
“Apelido de infância. De conhecimento de todos”.
“Não é o que dizem, Francisco”.
Ante o silêncio do Chalaça, prosseguiu a Imperatriz:
“Dizem que o senhor era uma das causas do ciúme açodado do primeiro marido da rapariga. Por isso tão prestimoso era quando surgiam ocasiões de viajar a Vila de São Paulo”.
Dizem mais: “Não foi o acaso quem fez encontrarem-se ela e meu marido”.
Chalaça encorajou-se, matreiro: “O Príncipe buscava qualquer uma que lhe aquecesse o leito”.
A Imperatriz interrompeu: “O senhor unindo o agradável ao útil apresentou-lhe sua amante paulista... Assim poderia obter mais facilidades em seus sonhos de ascensão à títulos de nobreza. Dividindo na alcova os segredos do reino com a rapariga e o Príncipe. Não vales um vintém”.
Chalaça fez-se de ofendido. “Majestade magoa-me com tais palavras...”
Sorriso mordaz nos lábios, a Imperatriz prosseguiu firme: “Quantas outras amantes arrumaste para o Imperador depois da rapariga? Queriam o Imperador só para os dois, mas de repente a rapariga fugiu-lhe ao controle”.
Chalaça gesticulou negaceando, mas firmou-se silente.
 “Decerto não tinha noção da confusão que irias criar ao encaminhá-la aos braços do Príncipe. A rapariga era mais esperta que imaginava. Caminho aberto, ela o afastou dos planos.”
“Majestade, por quem me tomas?”
“Uma pessoa que não merece confiança. Um oportunista”.
“E por que me chamaste?”, arriscou Francisco.
“Para comprar teus serviços. Saber o valor de teus préstimos”.
Chalaça atônito...
A Imperatriz foi direta: “Não dividirás comigo o leito, mas quero saber de todos os segredos ocultados a mim pelo Imperador. Agora que Andrada foi afastado, conheço menos do que passa pela cabeça de Pedro”.
“Trair o Imperador?... Não posso fazer isso”.... Francisco argumentou, encurralado.
“Se concordar, receberá boa paga. Dez contos de réis, o título de Conde e um cargo para representar o Império na Corte em Lisboa”.
“E se eu não concordar?”, negociou...
“Farei chegar aos ouvidos do Imperador que o Chalaça e a rapariga encontram-se sorrateiramente em São Cristóvão. Creio que o Imperador não ficará satisfeito e o senhor, decerto, conhece de suas reações violentas até mais do que eu”.
No ar pairou o desespero do Chalaça.
“Acalme-se, Francisco! Se o ódio de Pedro colocar em risco sua vida, pedirei ao Imperador que se apiede e tenha clemência, em nome dos serviços prestados ao Reino e o envie ao desterro. Quem sabe, o título de Barão e um cargo vitalício em Angola. O senhor vai gostar. Dizem que Luanda é tão quente quanto o Rio de Janeiro”.
Chalaça, sem negros a abaná-lo, suava frio, quando foi dispensado, ouvindo a advertência questionadora: “Pense bem no assunto!”.
Rosto ardendo, prometeu à Imperatriz pensar no assunto e responder através de ações.
............................................................................................................
O que Chalaça decidiu fica para deduções.
A história do Primeiro Reinado desencadeou uma sucessão de fatos que servem de argumentos para três hipóteses. Chalaça atendeu a Imperatriz? Pedro soube do encontro? Ou apenas meras coincidências? 
Historiadores afirmaram que a Imperatriz, dias depois do encontro com Chalaça, foi vítima de agressão da parte do Imperador ao ser questionado por ela, quanto a presença de Domitila no Palácio Imperial. Houve, inclusive, notícias que as agressões teriam ocasionado sua morte.
Morta a Imperatriz, Domitila tentou ser rainha, sua máxima ambição, mas terminou sendo mandada de volta para São Paulo, por exigência das negociações do casamento do Imperador com a Princesa Amélia.
O povo na rua cantou:
“Titila, interesseira
Vá pra bem longe do Rio
Amélia é a verdadeira  
Rainha deste Brazil” 
                                                                                              Amélia é a verdadeira  
Amélia é a verdadeira  
Rainha deste Brazil” 

Pouco tempo depois, o Chalaça foi enviado, sem cargo honorífico, para o Reino das Duas Sicílias como embaixador plenipotenciário do Império.
Pedro abdicou do Trono e foi para Lisboa com Amélia, deixando a um dos meninos que cantarolava a paródia a missão de governar o Brazil.
------------------------------------------------------------------------------
Ressoavam sombras tristes
Da cruel Guerra Civil,
Mas fugirão apressadas
Vendo o Anjo do Brasil
Dia 3 de novembro de 1867, Rua do Carmo, São Paulo.
O padre ministra os últimos sacramentos àquela senhora, que guardava traços de beleza.
“Faça sua confissão e terás perdão divino para entrar no reino do Céu”.
Voz trêmula e sem força, a senhora vagarosamente balbuciou:
“Conheci o Príncipe e passamos juntos toda a semana anterior ao dia da Independência. Estávamos apaixonados. Certa feita, Pedro confidenciou-me que pensava em mim enquanto compunha o Hino do Império. Que as lembranças de nosso primeiro encontro atiçaram sua inspiração. Registrara na música a sensação de liberdade no horizonte da paixão nova, sem grilhões das responsabilidades. Que mesmo que a história ignorasse isso, sua amada Titila ficaria gravada para sempre na História do Brazil.”
A senhora fechou os olhos.
A história oficial não registra única linha a respeito do encontro da Imperatriz com Chalaça, mas como as paredes tinham ouvidos é bem possível que tal encontro tenha ocorrido.
Garantiam o fato como verdadeiro cortesãs boquirrotas. Com bastante fundamentação histórica, pois ambos tinham motivos para odiar a rapariga.
Inclua-se no rol das boquirrotas a companheira do padre, que ouvia atrás da parede do quarto as últimas palavras de Domitila.
Até hoje canta-se o hino e fala-se dela, sem unirem os fatos:
“Brava gente brasileira!
Longe vá temor servil
Ou ficar a Pátria livre
Ou morrer pelo Brasil
Ou ficar a Pátria livre
Ou morrer pelo Brasil”
......................................................................................................

Nenhum comentário: