Este conto baseia-se em fatos reais.
Uma grande mentira que pode ter ocorrido.
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Foto Roseli Galuchi
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DOMITILA EM TODOS OS CANTOS
O Encontro Secreto de Leopoldina e Chalaça
“Abre o olho, oh! Leopoldina
Com Titila, mulher
vulgar
Cuidado que a
concubina
Ainda toma o seu
lugar...
Cuidado que a
concubina
Cuidado que a
concubina
Ainda toma o seu
lugar”
Rio de Janeiro, Primavera de
1826.
“Mandou-me chamar, Majestade? O
que pode fazer pelo Império um fiel súdito, a esta hora da noite? apresentou-se
Chalaça.
“Boa noite, Francisco... Que fique
entre nós o assunto deste encontro. O que tenho a conversar é bem diverso dos seus
auxílios noturnos ao Imperador”.
“Farei o impossível se for para
satisfazer a Imperatriz”.
“Precisamos livrar-nos desta
rapariga”.
“Sobre quem se refere?”
“Ora, Francisco, não se faça de
rogado. Estou às fartas! Este povo que tanto me amava, agora a ridicularizar-me
diante das falsetas que Pedro prepara. Não és surdo e tem boa parte de culpa
quanto a presença dela na Corte. Sabes muitíssimo bem o que estão a cantar pelas
ruelas e bares de becos do Rio de Janeiro usando o hino Imperial do Brazil,
para fazerem chacota à Família Real... Até os pequenos Miguel e Pedro andam a
cantarolar os versos pelos corredores do Palácio”.
“Ah! Majestade. Não deverias
transtornar-se com esse incômodo. Os pobres cariocas são de um cinismo e
irreverência muito grandes. A senhora quer que eu sugira ao Imperador uma lei
proibindo que cantem?”
“Não cheguemos a tanto, Francisco!
Mas, é preciso afastar essa rapariga da Corte. Colocá-la no devido lugar. No
esquecimento da História. Já é absurdo tê-la nomeado Viscondessa e correm
notícias que será elevada a Marquesa dentro de dias.”
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Para o bom andamento do reino, era
mister a Imperatriz fazer-se, publicamente, de cega, surda e muda frente ao
romance de Foguinho - apelido com o qual o primeiro monarca do Brazil assinava
seus bilhetes ardentes de paixão - e Titila (Domitila de Castro).
Entretanto, Leopoldina,
protagonista e articuladora da Independência do Brazil, era inteligente e muito
bem informada de todas ligações, políticas ou amorosas, de Pedro. A figura de
Domitila incomodava. Parecia onipresente.
O enlace amoroso de Foguinho e
Titila iniciou-se dias antes da Proclamação da Independência de Sete de
Setembro de 1822. Historiadores dão por certo, retornasse o Príncipe-Regente do
primeiro encontro com Domitila, quando ocorreu o Grito do Y-piranga.
Chalaça (Francisco Gomes da Silva) foi quem aproximou o Príncipe Regente de
Domitila… Chegam a afirmar formassem, à princípio, um triângulo amoroso.
O ciúme tornara-se recíproco entre
as duas mulheres mais importantes da vida de D.Pedro I, no início de seu
reinado.
Se Leopoldina sentia um ciúme de
desprezo por Domitila, Titila ambicionava mais. No leito dividido, cochichava
ao Imperador questões ambiciosas. Por que não o título de princesas às filhas
comuns? Ou mais. Houvesse ocasião, por que não ela mesma ser coroada rainha? Bem
que tentou, mas como é de conhecimento histórico, restou-lhe somente prêmios de
consolação: Marquesa de Santos a ela e Viscondessas às filhas.
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“Infelizmente, Majestade, acho
que não posso agir nesta situação”, ponderou o Chalaça. “O imperador não me
abre espaço as suas relações com Domitila. Poderia ofender-se se tocar em
assunto de suas intimidades”.
Um misto de indignação e dureza
carregaram as palavras de Leopoldina: “Não me venhas com evasivas. Estás sempre
ao largo de atitudes de respeito e escrupulosas”.
“Majestade, ofende-me!”...
“Sabes que as paredes desta
cidade ouvem e as cortesãs falam por todos os cantos... Não é nenhum segredo tenhas
também ciúme e raiva dessa rapariga”...
“Não é o que dizem, Majestade!
Conhecia Titila de saraus e festas na casa do Visconde de Castro”..
“Tinhas suficiente intimidade,
para chamá-la assim? Titila...”
“Apelido de infância. De
conhecimento de todos”.
“Não é o que dizem, Francisco”.
Ante o silêncio do Chalaça,
prosseguiu a Imperatriz:
“Dizem que o senhor era uma das
causas do ciúme açodado do primeiro marido da rapariga. Por isso tão prestimoso
era quando surgiam ocasiões de viajar a Vila de São Paulo”.
Dizem mais: “Não foi o acaso quem
fez encontrarem-se ela e meu marido”.
Chalaça encorajou-se, matreiro: “O
Príncipe buscava qualquer uma que lhe aquecesse o leito”.
A Imperatriz interrompeu: “O
senhor unindo o agradável ao útil apresentou-lhe sua amante paulista... Assim
poderia obter mais facilidades em seus sonhos de ascensão à títulos de nobreza.
Dividindo na alcova os segredos do reino com a rapariga e o Príncipe. Não vales
um vintém”.
Chalaça fez-se de ofendido.
“Majestade magoa-me com tais palavras...”
Sorriso mordaz nos lábios, a
Imperatriz prosseguiu firme: “Quantas outras amantes arrumaste para o Imperador
depois da rapariga? Queriam o Imperador só para os dois, mas de repente a
rapariga fugiu-lhe ao controle”.
Chalaça gesticulou negaceando,
mas firmou-se silente.
“Decerto não tinha noção da confusão que irias
criar ao encaminhá-la aos braços do Príncipe. A rapariga era mais esperta que
imaginava. Caminho aberto, ela o afastou dos planos.”
“Majestade, por quem me tomas?”
“Uma pessoa que não merece
confiança. Um oportunista”.
“E por que me chamaste?”,
arriscou Francisco.
“Para comprar teus serviços.
Saber o valor de teus préstimos”.
Chalaça atônito...
A Imperatriz foi direta: “Não
dividirás comigo o leito, mas quero saber de todos os segredos ocultados a mim
pelo Imperador. Agora que Andrada foi afastado, conheço menos do que passa pela
cabeça de Pedro”.
“Trair o Imperador?... Não posso
fazer isso”.... Francisco argumentou, encurralado.
“Se concordar, receberá boa paga.
Dez contos de réis, o título de Conde e um cargo para representar o Império na
Corte em Lisboa”.
“E se eu não concordar?”,
negociou...
“Farei chegar aos ouvidos do
Imperador que o Chalaça e a rapariga encontram-se sorrateiramente em São
Cristóvão. Creio que o Imperador não ficará satisfeito e o senhor, decerto,
conhece de suas reações violentas até mais do que eu”.
No ar pairou o desespero do
Chalaça.
“Acalme-se, Francisco! Se o ódio
de Pedro colocar em risco sua vida, pedirei ao Imperador que se apiede e tenha
clemência, em nome dos serviços prestados ao Reino e o envie ao desterro. Quem
sabe, o título de Barão e um cargo vitalício em Angola. O senhor vai gostar.
Dizem que Luanda é tão quente quanto o Rio de Janeiro”.
Chalaça, sem negros a abaná-lo,
suava frio, quando foi dispensado, ouvindo a advertência questionadora: “Pense
bem no assunto!”.
Rosto ardendo, prometeu à
Imperatriz pensar no assunto e responder através de ações.
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O que Chalaça decidiu fica para
deduções.
A história do Primeiro Reinado
desencadeou uma sucessão de fatos que servem de argumentos para três hipóteses.
Chalaça atendeu a Imperatriz? Pedro soube do encontro? Ou apenas meras coincidências?
Historiadores afirmaram que a
Imperatriz, dias depois do encontro com Chalaça, foi vítima de agressão da
parte do Imperador ao ser questionado por ela, quanto a presença de Domitila no
Palácio Imperial. Houve, inclusive, notícias que as agressões teriam ocasionado
sua morte.
Morta a Imperatriz, Domitila tentou
ser rainha, sua máxima ambição, mas terminou sendo mandada de volta para São
Paulo, por exigência das negociações do casamento do Imperador com a Princesa
Amélia.
O povo na rua cantou:
“Titila,
interesseira
Vá pra bem longe do
Rio
Amélia é a
verdadeira
Rainha deste
Brazil”
Amélia
é a verdadeira
Amélia é a
verdadeira
Rainha deste
Brazil”
Pouco tempo depois, o Chalaça foi
enviado, sem cargo honorífico, para o Reino das Duas Sicílias como embaixador
plenipotenciário do Império.
Pedro abdicou do Trono e foi para
Lisboa com Amélia, deixando a um dos meninos que cantarolava a paródia a missão
de governar o Brazil.
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Ressoavam sombras
tristes
Da cruel Guerra Civil,
Mas fugirão apressadas
Vendo o Anjo do Brasil
Da cruel Guerra Civil,
Mas fugirão apressadas
Vendo o Anjo do Brasil
Dia 3 de novembro de 1867, Rua do
Carmo, São Paulo.
O padre ministra os últimos
sacramentos àquela senhora, que guardava traços de beleza.
“Faça sua confissão e terás
perdão divino para entrar no reino do Céu”.
Voz trêmula e sem força, a
senhora vagarosamente balbuciou:
“Conheci o Príncipe e passamos juntos
toda a semana anterior ao dia da Independência. Estávamos apaixonados. Certa
feita, Pedro confidenciou-me que pensava em mim enquanto compunha o Hino do
Império. Que as lembranças de nosso primeiro encontro atiçaram sua inspiração.
Registrara na música a sensação de liberdade no horizonte da paixão nova, sem
grilhões das responsabilidades. Que mesmo que a história ignorasse isso, sua amada
Titila ficaria gravada para sempre na História do Brazil.”
A senhora fechou os olhos.
A história oficial não registra
única linha a respeito do encontro da Imperatriz com Chalaça, mas como as
paredes tinham ouvidos é bem possível que tal encontro tenha ocorrido.
Garantiam o fato como verdadeiro
cortesãs boquirrotas. Com bastante fundamentação histórica, pois ambos tinham
motivos para odiar a rapariga.
Inclua-se no rol das boquirrotas
a companheira do padre, que ouvia atrás da parede do quarto as últimas palavras
de Domitila.
Até hoje canta-se o hino e
fala-se dela, sem unirem os fatos:
“Brava gente
brasileira!
Longe vá temor
servil
Ou ficar a Pátria
livre
Ou morrer pelo
Brasil
Ou ficar a Pátria
livre
Ou morrer pelo
Brasil”
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