07 junho 2016

NO PONTO DO ÔNIBUS



Todas as manhãs, nos longos minutos à espera do ônibus, no ponto lotado, tenho por costume – ou seria vício, mania? – ficar lendo as notícias de primeira página dos jornais e as capas de revistas.
“Político gasta dois mil dólares para jantar em Nova York”.
“Marido de atriz ganhava mais de noventa mil reais por mês”.
“Cantora recebe trezentos mil para financiar livro de memórias”.
“Diretores da Petrobrás desviam três milhões para partidos políticos”.
Repetitivas notícias. Sem novidades.
Só muda os valores de minha indignação.
Enquanto decido qual jornal comprar, matuto olhando para os rostos sonolentos que também esperam seus ônibus.
Quantos ali têm noção de quantos Pratos Feitos seria possível comprar com os dólares de um único jantar?
Saberiam a diferença entre esses milhares de dólares e milhões de reais?
Rápidas contas à cabeça.
Eu mesmo não faço a menor ideia de quantos cofrinhos de porquinhos seria necessário encher para completar o menor valor acima - dois mil dólares – em moedinhas.
O que eu faria com três milhões de reais, sem que seja correr maior risco de um sequestro? 
Volto a tentar adivinhar o que outros fariam?
Tenho quase certeza que o rapaz de camisa de clube de futebol, tivesse dois mil dólares, não iria jantar em Nova York. Talvez trocasse o fogão, a geladeira de sua mãe e com uma “boa” compra de mercado, faria para um “super- churrasco” no domingo.  
Se ganhasse três milhões de reais, apostaria na “mega-sena” novamente?
Aquele de paletó e gravata? O casal abraçadinho?
Comprariam um apartamento e aplicariam o restante.
A garota com livros? Realizaria o sonho de poder apenas estudar.
Quantos apenas não invejam e fariam o mesmo das manchetes?
O dinheiro, enfim, é mera ficção.
Sonhos e pesadelos.
Quando falta, sonha-se em tê-lo como solução de problemas. Alguns simples e imperceptíveis quando se tem em excesso.
Um pesadelo ante ao risco de perdê-lo. Em aplicações na Bolsa ou na falta do emprego.
Distraído nas divagações, quase não percebo a chegada de meu ônibus.
Na fila para o embarque, ouço um tilintar aproximando-se.
“Uma moeda para comprar leite!” A dona da voz de tom súplice apresenta-se, tocando-me o braço. Traz numa das mãos uma panelinha velha com algumas moedas e noutra puxa a criança de uns três anos.
Instantâneo dilema à mente.
É correto dar-se esmola? Estímulo à mendicância? A criança pode ser de “aluguel”.
Ora, também não são corretas muitas das coisas que fazem com o dinheiro “público”.
Reviro o bolso e jogo na panelinha algumas das moedas que usaria para comprar um dos jornais.
Ela agradece e seguimos nossas vidas.

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