Quando nasci, acho que não vieram anjos. Nem tortos, nem
disfarçados de querubim.
Vieram vizinhas, parentes e curiosos.
Eu, ali no quentinho do cobertor no improvisado berço de caixa
de bacalhau, não entendia nada. Elogios e falas estéreis... - “que lindinho!”, “parece
com o pai”... “É a carinha da mãe”... - que norteiam as conversas da primeira
visita.
Soube, tempos depois, que visitou-me uma parente
distante. Prima em terceiro ou quarto grau de uma titia de me avô. Tão distante
que morava na zona Leste, além de onde seria construída a Arena Itaquera.
Ela prometera que levaria os dados da hora exata de meu
nascimento para uma parente do marido dela, que fazia mapas astrais.
Mapa astral!
Imaginem isso no começo da segunda metade do século XX.
Essa feitiçarias!
Um pecado tão grande que confessar sua prática e denunciar
praticantes era como fazer delação premiada. Mereceria destaque no Repórter
Esso.
Hoje posso falar livremente, que meu mapa astral dizia
que o Sol estava na casa de Mercúrio, na hora de meu nascimento.
Esse dado fez-me entender algumas coisas.
Minha mãe dizia-me que nasci numa tarde fria e chuvosa
O Sol provavelmente estivesse escondido na casa de
Mercúrio, para não se resfriar e, assim os cuidados maternos dos insistentes “Leva
uma blusa!” toda vez que eu saía de casa.
De forma genérica, afirmava o mapa astral, que os
nascidos naquele dia, raramente admitem sua ignorância.
Cheia de razão minha sábia e profícua afirmação autobiográfica:
“A modéstia é minha segunda virtude e a primeira a união de todas as outras”.
Entretanto, na contramão, um absurdo científico.
Teria a facilidade com línguas e aptidão para destreza
manual.
Ora! Neste caso, como dar ouvido às estrelas?
Não sei falar direito nem o português. Quando muito, uso
a língua para falar mal dos outros. A única habilidade que tenho com as mãos é
aplaudir quem consegue desenhar, pintar, tocar um instrumento, fazer tricô.
O leitor não vê, mas a tecla que mais uso é “delete” e
fui um grande produtor de papel para rascunho nos tempos das máquinas de
datilografia.
Horóscopos!
Como acreditar?
É impossível, eu, nascido em São Paulo, no bairro dos
Jardins, sem nenhum pezinho no Nordeste, exceto uma ou outra excursão, ser qualificado
como Cabra de Madeira, como afirma o Horóscopo Chinês.
Deduções levam-me a concluir que deva ser um “Cara-de-Pau”.
Se bem que tem lógica...
Um “Cabra de “Madeira”, reza o HC...
Só um instantinho, senão o STF se intromete...
HC neste caso é Horóscopo Chinês.
Um “Cabra de “Madeira”, reza o HC, é capaz de sonhar
acordado durante toda a tarde. Explica-se em parte a minha insônia. Uma
confusão neurológica determinada pelo mapa astral.
Eu não acredito muito nessas coisas de astrologia.
Ainda mais, depois que um companheiro de bar de meu pai, disse
que a cunhada de uma prima em terceiro ou quarto grau de seu vizinho de quintal
estudava numerologia. Assim, que a encontrasse, pois ela que morava na zona Sul,
perto de onde São Paulo faz divisa com Itanhaém, passaria o meu nome certinho
para que ela previsse meu futuro.
Teve boa vontade.
Encontrei-o algumas vezes e ele sempre perguntando se meu
nome era com “Z” ou “S” e o sobrenome com um ou dois “L”, dois “C” ou “CH”.
Isso alteraria o meu destino. Meu número poderia ser
DOIS, QUATRO ou SEIS.
Esses pequenos detalhes na formação de minha numerologia
devem ser a causa de acertos e erros nas provas de matemática e a falta de suficiência
de saldo na conta bancária.
Ou seja, talvez eu não seja eu, porque o sobrenome de meu
pai foi grafado errado pelo cartório.
Queria tanto ser NOVE um dia, QUATRO no outro, SEIS de
vez em quando.
No fim das contas, são tantos detalhes a predizer o que
seremos, que eu chego a pensar que os anjos não tenham nada a ver com isso.
Talvez, sequer existam.